Aledra Barbosa: corpos que falham, formas que resistem

Domitila Vittoria

2 min read

O gesto de Aledra é artesanal, quase doméstico. A massa de papel é feita em casa, com jornais triturados, água e cola. A madeira vem de sobras, galhos, cabos de ferramentas. Cada obra carrega o tempo do fazer manual, o cuidado com o detalhe, a escuta do material. Há algo de alquímico nesse processo: transformar restos em presença, dor em potência, silêncio em linguagem.

Sua pesquisa se inscreve em uma linhagem de artistas que usam o corpo como campo de batalha e de criação — de Louise Bourgeois a Frida Kahlo, de Magdalena Abakanowicz a Ana Mendieta. Mas Aledra não imita: ela encontra sua própria voz, sua própria matéria, seu próprio ritmo. Sua obra é radicalmente pessoal, mas nunca individualista. Ao expor sua dor, ela convida o público a reconhecer a sua.

Em Prelúdio Fantasmal, escultura em cerâmica criada antes das perdas gestacionais, uma figura fantasmagórica carrega um bebê. A obra, feita sem saber o que viria, torna-se um presságio. Já em Solidão em conjunto, figuras inicialmente isoladas se agrupam, criando uma narrativa coletiva sobre o luto, a repetição e a memória. Aledra compreende que a dor, quando compartilhada, se transforma — não desaparece, mas se desloca.

Sua prática é também uma crítica às narrativas dominantes sobre o corpo feminino, a maternidade e a produtividade. Ao afirmar que “meu corpo não presta”, a artista não se vitimiza — ela denuncia. Denuncia os discursos que exigem corpos funcionais, férteis, performáticos. E ao fazer isso, cria um espaço de escuta, de cuidado e de reparação.

Aledra Barbosa é uma artista que não tem medo de mostrar o que dói. E, ao fazer isso, nos lembra que a arte não precisa curar — mas pode cuidar. Pode nomear o que não foi dito, pode dar forma ao que parecia invisível, pode criar encontros entre corpos, memórias e afetos.


Domitila Vittoria é curadora, produtora cultural e artista visual. Cria exposições e projetos que conectam arte, saúde mental e empoderamento feminino, com foco em narrativas sensíveis e práticas colaborativas

Há artistas que constroem sua poética a partir do mundo exterior, e há aqueles que mergulham no próprio corpo como território de criação. Aledra Barbosa pertence ao segundo grupo. Sua obra nasce de uma dor íntima — a perda gestacional, a frustração corporal, a sensação de inadequação — e se transforma em linguagem estética potente, em matéria que pulsa, em forma que resiste.
Na série Meu corpo não presta, Aledra molda figuras disformes, sem braços, com barrigas salientes, expressões espectrais e silhuetas interrompidas. Essas esculturas, feitas com papel machê, madeira reaproveitada e suportes improvisados, não buscam a beleza idealizada. Elas expõem a falha, a ausência, a fragilidade — e, justamente por isso, revelam uma força rara. São corpos que não performam a perfeição, mas que insistem em existir.