Marcos Pimentel: o que a madeira ainda tem a dizer

Domitila Vittoria

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Em Redesígnios, Marcos Pimentel não esculpe apenas madeira — ele esculpe tempo. Tempo acumulado nas fibras de uma árvore que já viveu, tempo de descarte, tempo de espera, tempo de reinvenção. Cada escultura da série carrega, em sua superfície, uma história que não começa no ateliê: começa no abandono. E é justamente desse lugar — do que foi deixado de lado — que o artista extrai potência.

A série reúne 18 esculturas criadas a partir de madeira reaproveitada, recolhida em ruas, terrenos baldios ou restos de construções. A matéria-prima, antes invisível, é resgatada e transformada em formas que evocam animais da fauna brasileira — especialmente aves. Mas não se trata de uma representação literal. As figuras são híbridas, por vezes abstratas, com nomes inventados como Recurió, Recondor, Retucano, Recristó. Palavras que parecem ter sido sopradas pela própria madeira, como se a linguagem também precisasse ser reaproveitada.

Pimentel trabalha com o que a matéria oferece. Ele não força a madeira a ser algo que ela não quer. Esculpe a partir das curvas já existentes, das falhas, das rachaduras. A imperfeição não é corrigida — é celebrada. Nesse gesto, há uma ética do cuidado que se opõe frontalmente à lógica produtivista e descartável que rege o mundo contemporâneo. Redesígnios não é uma série sobre sustentabilidade. É uma série que pratica a sustentabilidade como linguagem, como gesto e como política.

Cada escultura atua, literalmente, como abrigo de carbono. Ao reaproveitar madeira que seria descartada ou queimada, o artista impede a liberação de CO₂ na atmosfera. A arte, aqui, não apenas representa a natureza — ela a protege. É um gesto silencioso, mas ambientalmente eficaz, que transforma o fazer artístico em ação concreta diante da crise climática.

Mas há também uma dimensão simbólica e poética que atravessa toda a série. As esculturas não são apenas objetos: são presenças. São entidades que habitam o espaço com uma força quase ritual. Há algo de encantamento em sua existência — como se cada peça carregasse um sopro de vida, uma memória de floresta, uma resistência silenciosa ao esquecimento.

Redesígnios também se inscreve no campo da arte como reparação. Ao transformar o que foi descartado em forma simbólica, Pimentel propõe uma revalorização do que é tido como resto. E, nesse gesto, há uma crítica implícita ao modelo de mundo que produz lixo em escala industrial — inclusive simbólico. O artista nos convida a rever nossos critérios de valor: o que merece ser descartado? O que ainda pode viver de outro modo?

Em tempos de colapso ambiental e simbólico, Marcos Pimentel propõe um outro ritmo. Um ritmo que escuta a madeira, que respeita o tempo da matéria, que transforma o resto em recomeço. Redesígnios é, antes de tudo, uma pergunta: o que ainda pode ser redesenhado?

Domitila Vittoria é curadora, produtora cultural e artista visual.
Cria exposições e projetos que conectam arte, saúde mental e empoderamento feminino, com foco em narrativas sensíveis e práticas colaborativas

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