Shilpa Gupta: A Arquitetura da Ansiedade e as Geografias da Mente

Domitila Vittoria

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A obra de Shilpa Gupta (n. 1976, Mumbai) não se limita a ocupar espaços; ela os tensiona, os interroga e os ressignifica. Artista indiana de projeção internacional, Gupta constrói uma poética multifacetada que se debruça sobre as complexas intersecções entre fronteiras — sejam elas geográficas, políticas ou psicológicas —, a censura, a vigilância e a própria maleabilidade da percepção e da identidade. Sua produção, frequentemente presente em bienais como Veneza, Sydney e Lyon, emerge como um potente dispositivo crítico para desvelar as estruturas de poder que moldam a mente humana e a capacidade de expressão.

Embora não se restrinja a uma abordagem clínica da saúde mental, o trabalho de Gupta é profundamente atravessado por temas como ansiedade, silenciamento, memória, trauma e a forma como instituições e discursos hegemônicos impactam nossa psique. Ela nos convida a uma experiência introspectiva, onde a fragilidade do eu se confronta com a imposição de limites externos. Suas instalações, muitas vezes interativas, criam ambientes que evocam sentimentos de confinamento e a persistência de pensamentos intrusivos, transformando o espaço expositivo em um campo de ressonância para estados mentais coletivos e individuais.

Gupta emprega uma vasta gama de mídias – vídeo, som, fotografia, objetos, instalações e performance – mas é na linguagem e no texto que sua intervenção se torna particularmente aguda. Frases repetitivas, livros alterados, projeções de palavras que questionam a autoridade e a verdade são elementos recorrentes que atuam como fissuras na narrativa dominante. Em obras como a instalação sonora que apresentou na Bienal de Veneza (2019), onde 100 microfones pendurados transmitiam poemas de poetas encarcerados por suas palavras, a artista não apenas dá voz aos silenciados, mas materializa a violência da censura e a resiliência da expressão. O som, aqui, não é apenas audível; é um corpo que ecoa o trauma e a resistência.

A artista explora a ideia de "ameaça" não como um evento isolado, mas como uma condição imanente. Em trabalhos como "Threat", ela subverte objetos cotidianos, imbuindo-os de uma carga simbólica de perigo iminente, revelando a paranoia e o medo que permeiam as sociedades contemporâneas. Essa sutileza, que se desdobra em impacto profundo, é uma das marcas de sua obra: ela não grita, mas sussurra verdades incômodas que se infiltram na percepção do espectador.

A arte de Shilpa Gupta é, portanto, uma cartografia das ansiedades e das geografias da mente. Ela nos força a confrontar as fronteiras invisíveis que nos aprisionam e as narrativas que nos definem. Ao desmascarar as estruturas de poder que atuam sobre a psique, Gupta não apenas empodera a voz individual, mas nos convoca a uma reflexão coletiva sobre a liberdade, a vigilância e a urgência de redefinir os limites da nossa própria humanidade. Sua obra é um lembrete contundente de que a arte, em sua potência crítica, pode ser um dos mais eficazes instrumentos para a cura e a transformação social.