Sol: Máscaras, Memória e a Geopolítica do Corpo-Território

Domitila Vittoria

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A prática artística de Sofia Martino, conhecida como Sol, desdobra-se como uma cartografia sensível das tensões que habitam o território mineiro. Originária da Serra do Caraça, em Santa Bárbara, Minas Gerais — uma região de exuberância natural e, paradoxalmente, de profunda cicatriz pela mineração —, Sol constrói uma poética que não apenas reflete, mas reage à complexidade socioambiental e cultural de seu entorno. Sua obra se posiciona como um corpo-território, onde a memória ancestral e a urgência ecológica se encontram.

A pesquisa de Sol se enraíza na tradição dos "Mascarados", uma brincadeira carnavalesca local que, através de corpos anônimos e gestos de algazarra, reencena uma forma de ocupação e interação com o espaço público. Essa manifestação, transmitida por gerações em sua família e redescoberta durante sua formação em Artes Visuais, não é tratada como mero folclore, mas como um dispositivo cultural potente. A artista não se limita a documentar; ela reativa essa tradição, investigando suas camadas históricas e expandindo seu potencial crítico para o presente.

No cerne de sua produção, Sol mergulha na técnica de modelagem de máscaras em barro e papel machê, um processo que se aprofunda em viagens e encontros com mestres. Suas máscaras transcendem a função de adereço ou representação. Elas se tornam entidades, personagens que emergem da Serra do Caraça, cada qual imbuído de uma narrativa que ecoa a relação intrínseca entre o ser humano, o meio ambiente e a cultura local. São, em essência, a materialização de vozes e presenças que resistem ao apagamento.

O projeto de Sol, ao criar esses sete personagens inspirados na Serra do Caraça, opera em uma intersecção crucial entre arte, educação patrimonial e ambiental. As máscaras funcionam como mediadoras, convidando o público a uma reflexão sobre a devastação ecológica e a necessidade de preservação. Não se trata de uma didática simplista, mas de uma convocação à percepção de que a cultura e a natureza são indissociáveis, e que a perda de uma implica a mutilação da outra.

A obra de Sol se alinha a uma linhagem de artistas contemporâneos que desconstroem a noção de território como paisagem passiva. Para ela, o território é um tecido de histórias sobrepostas, de violências e resistências. Ao dar forma a essas máscaras, Sol não apenas celebra uma tradição, mas a ressignifica como ferramenta crítica para pensar o consumo predatório, a devastação ambiental e a complexa teia de relações que nos ligam ao mundo natural. Sua arte é um convite a um reencantamento crítico, a uma escuta profunda das vozes que vêm da terra e da memória, e a um reconhecimento da potência de um fazer artístico que se recusa a silenciar diante da destruição.

Domitila Vittoria é curadora, produtora cultural e artista visual.
Cria exposições e projetos que conectam arte, saúde mental e empoderamento feminino, com foco em narrativas sensíveis e práticas colaborativas